quarta-feira, 18 de agosto de 2010

MOSAICO DE DOIS


imagem da internet

Estavam todos compenetrados, alguns com uma xícara de café em uma mão e um cigarro na outra, outros digitando em seus notebooks, enquanto alguns outros simplesmente liam jornais. A minha ansiedade exprimia-se pelos movimentos das minhas mãos e o meu olhar assustado, isso era perfeitamente aceitável, meu chefe disse no dia anterior que tinha uma missão para mim, em meus pensamentos imaginava uma luta entre titãs, ou, algum elogio, mas sinceramente estava mais para pepino do que doce de goiabada, se tratando do chefe que tenho, enfim.
Sentei na penúltima cadeira, estratégia de quem não queria ser notado. Isso ao menos funcionava nas perseguições da minha vida acadêmica. Mais tão logo ele esbraveja: “Ei, mocinha! Preste atenção, pois deixei essa especialmente para você. Nós queremos fazer uma homenagem a dois grandes escritores, um é português e a outra é inglesa, um não tem nada a ver com o outro, mas como sei que você é perspicaz saberá costurar um belo diálogo entre eles”. Não esperava por isso, até então, só cumpria tarefas simples e rotineiras. Ele completou: “Não está curiosa para saber quem são?”. Confesso ter ficado tão surpresa que não expressei nenhuma reação. “Bem garota, eu quero que faça uma entrevista com Virgínia Woolf e José Saramago”. Como assim? “O quê esperava? Lady Gaga? Ora, ora... vamos, mãos à obra!”.
Saí daquele local meio zonza. Como iria cumprir com o que me foi designado? Realmente, essa resposta eu não tinha. Eu nem sabia por onde começar. E agora, José? Em terra de cego, todos aprendem a enxergar de acordo com a cegueira. Olhos, para que vos quero? Senão, para avistar novos olhares. Cérebro, para que te quero? Senão, para dá asas a imaginação. Contudo, precisava urgentemente encontrar alguma resolução antes do pôr do sol.
Procurei todos os meus exemplares de ambos os escritores. Li e reli. Revirei pelo avesso. Novamente rerevirei. Não consegui chegar à conclusão nenhuma, muito menos pensei em alguma pergunta. Eles que pertenciam as minhas remotas lembranças, com as quais chorei, ri, sonhei, suspirei, refleti, voei, etc. Então, mergulhei no inalcançável e inimaginável. Talvez, não fosse esse o desejo do meu chefe, mas foi onde derrapei de mil metros de altura, ou seja, me joguei do pico Monte Everest.
MOSAICO DE DOIS. Esse foi o título da minha missão. Virgínia a princípio um pouco relutante e cautelosa. No entanto, me convidou para um chá. Divagou sobre todas as coisas. Se perdeu e se encontrou. Me fez perder-me e fez-me encontrar-me. Ainda soube como ninguém não completar as lacunas. “Minha querida não existe verdades, muito menos conclusões. Elas não existem, só na imaginação”. Uma eterna reticência.
Saramago, também não me deu certezas. “Sabe só quero saber de essências, nada mais me importa”. Eu saí atônita. “Procuro encontrar no silêncio todas as respostas das minhas ânsias”. Ainda completou, “olhe lá fora, vês aonde conseguimos chegar e não preciso te falar mais nada”. Deve ser por isso, que as pessoas escrevem, elas não querem explicar, porque, não há o quê explicar. A leitura é o exercício da dúvida. Nunca a humanidade se satisfazerá se por um acaso isso acontecer, não precisaremos mais existir.
“Só sei que nada sei” (Sócrates).
Ao final, a minha missão foi publicada. Meu chefe disse olhando para mim: “Veja, que é preciso muitas vezes ir longe, um longe aqui, entende?”.
 
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